Golpe do baú

Um processo em análise no Supremo Tribunal Federal trata do caso da companheira de um homem com quem constituiu união estável quando ele tinha mais de 70 anos, já falecido, e pretende que seja reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, que exige a separação de bens nesse caso, para que possa participar do inventário e da partilha de bens.

Expectativa de vida

Em nome dos herdeiros do falecido, o advogado Heraldo Garcia Vitta sustentou que as estatísticas favorecem a tese de constitucionalidade do dispositivo, uma vez que a taxa de mortalidade é mais alta entre homens e pessoas acima de 60 anos, que, geralmente, apresentam doenças crônicas.

A seu ver, a expectativa de vida deve ser levada em consideração no início de uma relação, e, no caso concreto, o falecido tinha 72 anos quando iniciou a união estável, em 2002. O advogado informou, ainda, que a companheira não ficará desamparada, porque, de acordo com o inventário, ela tem direito a quase R$ 1 milhão.

Proteção à pessoa idosa

A advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, representante da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), argumentou que a maior longevidade justifica a constitucionalidade da regra, porque a maior parte das pessoas idosas no Brasil tem patrimônio suficiente apenas para viver com dignidade, e seu bem-estar deve ser assegurado até o fim de suas vidas. Para a entidade, a norma não é discriminatória e protege a pessoa idosa.

Autonomia privada

Por outro lado, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) defendeu a inconstitucionalidade da regra. Para a advogada Maria Luiza Póvoa Cruz, a intervenção do Estado é excessiva e invade a autonomia privada, tolhendo a capacidade dos idosos. Segundo esse argumento, a idade cronológica não deve ser parâmetro absoluto para definir a incapacidade de dispor sobre o regime de bens.

Discriminação

De igual forma, o Ministério Público do Estado de São Paulo, representado por Mário Luiz Sarrubbo, defendeu que a norma é excessiva, inadequada e desproporcional, pois discrimina a pessoa maior de 70 anos e atenta contra o princípio da dignidade humana, ao retirar sua livre escolha sobre os seus próprios atos. Também considerou que a norma é incompatível com o Estatuto do Idoso no que diz respeito à autonomia das pessoas com mais de 60 anos.

“Golpe do baú”

Mesmo posicionamento foi adotado pela Defensoria Pública da União (DPU), representada por Gustavo Zortea da Silva. Segundo ele, não pode haver presunção absoluta de que o idoso seria vítima de um “golpe do baú”, e não destinatário de afeto. Sob pena de preconceito e violação ao princípio da liberdade, ele defendeu que se leve em consideração a autonomia da vontade do idoso e sua capacidade de exercer direitos.

STF

Gelo Camelo